01-10-2016, 03:01 PM
Aun despues de todo el tiempo transcurrido puedo recitar de memoria los limites de nuestro querido Uruguay, que tuve que memorizar para ingresar a la Escuela Militar.
Limite contestado, pero no mucho
Masoller, no Uruguai, e a vila Thomaz Albornoz, no Brasil, são dois povoados fronteiriços encravados em uma região de 22 mil hectares reivindicada pelos uruguaios desde 1934. O Viés foi lá para ouvir o que dizem os moradores.
Foto: Gregório Mascarenhas
1985. O general João Baptista Figueiredo, último presidente do período ditatorial militar do Brasil, instala repentinamente uma vila em uma zona a sudoeste da cidade de Sant’ana do Livramento, em terras doadas pelo estancieiro Thomaz Albornoz. Rapidamente, Julio María Sanguinetti – primeiro presidente da nova democracia uruguaia – contesta a ocupação e relembra um litígio datado de 1934. Desde então, essa região de 22 mil hectares reivindicada pelo Uruguai têm, em sua área mais austral, um povoado brasileiro.
O Rincão de Artigas, nome dado à região contestada, pertenceu ao Uruguai até 1851. À época, a fronteira com os brasileiros era delimitada pelo rio Ibicuí, na atual cidade de Rosário do Sul. Naquele ano foi feita uma nova demarcação entre uruguaios e brasileiros, que teve o rio Quaraí como referência. Foi só em 1934 que, durante a restauração dos marcos fronteiriços, os orientais reclamaram que os brasileiros haviam confundido o arroio Moirões, mais ao norte, com o arroio Maneco, ao sul. O governo brasileiro fez pouco caso da reclamação, mas, desde aquela data, existe uma pendência sobre a área.
Em 1984, a extensão litigiosa foi reclamada novamente pelo governo uruguaio. Em consequência, Figueiredo criou a vila Albornoz – uma espécie de demarcação de território. Até então, só existiam fazendas do lado brasileiro. “Da noite para o dia, vieram helicópteros militares e construíram uma caixa d’água, um centro comunitário e uma escola”, dizem os moradores mais antigos do sul da fronteira.
Masoller, ao contrário, desenvolvia-se progressivamente, às margens da Ruta 30. De súbito, além da vila, um típico comércio de fronteira se instalou por lá. Albornoz e Masoller chegaram a ter quatro postos de gasolina, algo desproporcional ao tamanho dos povoados. Na parte mais ao sul de Albornoz, atrás de um dos marcos divisórios e exatamente às margens da Ruta 30, existiu um posto brasileiro de bandeira Ipiranga, hoje abandonado. Empresas uruguaias daquela região se deslocavam até a fronteira para abastecer. Na época, por causa da desvalorização da moeda brasileira, o combustível custava a metade do preço que seria pago no Uruguai.
A última menção diplomática ao assunto foi em 1988. À época, o Uruguai enviou outra nota ao Brasil, com o mesmo argumento da confusão com o nome dos arroios. O Itamaraty respondeu que a posição do Governo é oficial e permanente. Nos anos seguintes, o tema voltou à tona no Uruguai como pauta de alguns políticos. Em maio de 2009, por exemplo, o senador do Partido Nacional Sergio Abreu cobrou do governo oriental uma posição mais ativa para defender seus limites com o Brasil. Existe, ainda hoje, uma lei uruguaia que diz que, nos mapas do país, aquela região deve aparecer como um “límite contestado”. Nos mapas brasileiros, ao contrário, o local aparece como território nacional efetivo.
Nos mapas uruguaios, o Rincón de Artigas aparece como “límite contestado”. Aqui no Brasil, entretanto, a região aparece como território nacional efetivo. O Google Maps (ilustração acima) não quis tomar parte na rusga e indicou a linha fronteiriça com um pontilhado.
Não é fácil chegar na vila Thomaz Albornoz pela “estrada da linha”
A estrada que corta Masoller, no lado uruguaio, é a Ruta 30, uma das principais do noroeste do país. É asfaltada e tem um fluxo de automóveis grande para os parâmetros do despovoado interior uruguaio. Por ela, chega-se a Sant’ana do Livramento em cerca de uma hora. Entretanto, as autoridades brasileiras, por conta da burocracia que recai sobre os veículos oficiais, não podem utilizá-la. Os fronteiriços que desejam por ali seguir devem pagar um seguro anual de aproximadamente duzentos reais, dependendo do veículo. Em prática, isso força os moradores da região a usarem a estrada de terra. Conforme depoimento dos locais, a maior parte da população não tem dinheiro para pagar a taxa.
Pelo lado brasileiro, oitenta quilômetros separam Sant’ana do Livramento da vila Thomaz Albornoz. O caminho começa nas cercanias da cidade, na BR-293. Passados dez quilômetros de asfalto surge, à esquerda, o corredor de chão batido que leva a Albornoz. Nos campos, aparecem os primeiros marcos de pedra que dividem o Brasil do Uruguai. A estrada segue a sudoeste, serpeando pela borda superior de um planalto chamado de Coxilha de Sant’ana. À esquerda o relevo baixa, às vezes suave, às vezes abrupto, coberto por arbustos e algumas árvores. À direita, as planuras da campanha.
A estrada da linha é paralela à fronteira e atravessa-a várias vezes. O viajante pode nem perceber. Foto: Gregório Mascarenhas
A trilha, conhecida pelos locais como “estrada da linha”, cruza a fronteira infinitas vezes. Ora se está no Uruguai, ora no Brasil. Os marcos divisórios estão sempre à vista do viajante. O panorama é de pampa em estado puro, pontuado por estâncias e ranchos, todos muito distantes uns dos outros. A estrada está em péssimas condições, existem buracos do tamanho de carros e pedras do tamanho de bolas de futebol – e volta e meia some, tomada pela vegetação. É um sinal: pouquíssima gente passa por ali. Essa é uma região de baixíssima densidade populacional, tanto do lado brasileiro quanto do lado uruguaio. Os homens que lá vivem são os peões, gaúchos – ou gauchos – que atravessam o gado de um lado para o outro.
Ao longe, surgem rumores de uma tropa. Enforquilhados sobre os cavalos, tocando o gado, dois homens se aproximam. “Albornoz? Tá pertito, siga pelo lado direito”. O idioma não permite distinguir-lhes a nacionalidade. “Sou brasileiro, mas moro no Uruguai. Tem um marco na porta da minha casa”, diz um deles rindo-se detrás de um vasto bigode. Vencidos os oitenta quilômetros, a vila de Thomaz Albornoz vai se acercando. Ao longe, depois de uma taipa de pedra, as casas baixas e as torres de telefone do lado uruguaio.
Uma cena comum na fronteira brasileira com o Uruguai. Foto: Gregório Mascarenhas
A vida em na pequena conurbação fronteiriça
Sábado, meio-dia – horário de almoço e de siesta. O único estabelecimento aberto da região fica do lado brasileiro, uma mercearia. “Aqui tem Liquigás”, diz uma pintura desgastada na parede do comércio. Antes que um chamado aos compradores, é um símbolo: estamos do lado brasileiro. A atendente parece desconfiada, mas volta com a água para o mate que fora pedida. Dona Marta é a dona do Varejão Macanudo, identifica-se como brasileira e fala um fluente portunhol. Se, ao primeiro contato, mostra-se reticente, converte-se depois em uma afinada guia das peculiaridades do local.
Gabriel, primogênito da comerciante, frequenta a escola uruguaia de Masoller. Torce pelo Grêmio e pelo Nacional de Montevidéu, ao contrário de seus amigos uruguaios, que, em sua maioria preferem o Botafogo ou “aquele time vermelho e preto”, referindo-se ao Flamengo. Ao lado do Macanudo, conversa desencilhando um cavalo, com sotaque castelhano mais pronunciado do que o da mãe. O menino cruza a fronteira todos os dias para estudar porque, em situação contrária à do outro lado, o poder público brasileiro quase inexiste.
Segundo Dona Marta, a vila Albornoz tem 126 moradores, aparatados por uma escola e alguns poucos professores vindos de Livramento. Os encarregados da educação só chegam por lá quando se atrevem a cruzar a estrada de terra que acompanha a fronteira. Demoram mais de quatro horas para andar oitenta quilômetros. Por isso, quando vão a Albornoz ficam por cerca de dez dias e então voltam para a cidade. Bombeiros, médicos e policiais também têm de realizar o mesmo trajeto, o que deixa os brasileiros da região ilhados em terra firme. Os servidores do posto de saúde uruguaio nem perguntam a nacionalidade do enfermo que busca assistência.
No Varejão Macanudo tem de tudo. Foto: Gregório Mascarenhas.
Pelo menos uma vez por ano, a vila brasileira recebe visitantes. São os militares, que chegam de helicóptero. Trazem médicos, dentistas, veterinários e registro civil. Brasileiros e uruguaios aproveitam os serviços. A presença do Exército, além do caráter cívico, também é um sinal: aquele local torna-se território brasileiro efetivo, mas só temporariamente.
Poucas pessoas passeavam naquela tarde pelas ruas de chão batido de Albornoz e Masoller. Algumas mulheres e crianças saem às ruas, aproveitando o sol que ameniza os ventos frios da planura. Os homens são minoria na vila, pois são peões nas fazendas durante o dia. Algumas casas simples, um ponto de moto-táxi, um supermercado e uma agropecuária formam a paisagem do lado norte da fronteira. A velha caixa d’água de metal que transborda constantemente é o ponto máximo de Albornoz. Em frente, uma pracinha e uma cisterna. Ao atravessar a avenida, na frente do Varejão, há um marco divisório. Cruza-se a fronteira ao sul.
A caixa d’água é o ponto máximo de Thomaz Albornoz. Foto: Gregório Mascarenhas
A vila de Masoller está encravada entre três departamentos uruguaios: Salto, Artigas e Rivera. Ao contrário do lado brasileiro, o poder público é presente. O povoado conta com uma escola, um liceo (que é semelhante ao Ensino Médio brasileiro), um juizado, um posto policial e uma policlínica. As casas são quase todas iguais, com pé-direito baixo, telhado de amianto e paredes pintadas de branco. No centro do povoado existe uma praça, um campo de futebol e um mausoléu.
Um sábado pacato em uma localidade rural da fronteira com o Uruguai. Foto: Gregório Mascarenhas
Assobiando, um funcionário da prefeitura de Rivera começa a recolher os sacos de lixo colocados junto à porta de uma das casas de Masoller. Seu nome é Julio Fontes. Sobe em seu caminhão, anda mais dez metros, e para na próxima casa. Para ele, a discórdia entre os países não muda a vida cotidiana das pessoas. Diz que é iniciado na Igreja Mundial do Poder de Deus – um dos mais recentes fenômenos midiáticos de religião no Brasil – e que foi até Porto Alegre para assistir a um culto ministrado pelo apóstolo Valdemiro Santiago. Segundo Julio, o missionário foi o único sobrevivente de um naufrágio no Oceano Índico. Busca o jornal da igreja – que é escrito em português – no porta-luvas do caminhão, mas interrompe a leitura para conversar com o amigo Souza, que é um uruguaio descendente de brasileiros e um dos poucos homens que passam a tarde de sábado na vila. Os dois mostram-se extremamente receptivos e, para eles, a pessoa certa para falar sobre o litígio fronteiriço é o enfermeiro de Masoller. “La casa del enfermero está en el otro lado de la calle. Hay un galpón de madera al lado y una moto Yumbo negra en el garaje”, diz Souza.
Yoni Ferreira é enfermeiro da policlínica de Masoller. Apaixonado por rádio, é voluntário na emissora comunitária da vila, a Del Valle FM – que é mantida pela UNESCO e pelo governo oriental. Apresenta alguns programas em uma pequena sala que serve como estúdio e que tem, em uma das paredes de madeira, uma bandeira do Uruguai. Entre microfones e aparelhos de som, ele explica que a rádio é o único meio de comunicação local.
Não há sinal radiofônico vindo de outras regiões do Uruguai ou do Brasil e nem sequer televisão aberta. Só é possível sintonizar TV através de antenas parabólicas, que são raras tanto em Masoller quanto em Albornoz, e a única programação que chega ao lugar vem de São Paulo ou do Rio de Janeiro – Globo, SBT ou RedeTV!, por exemplo. A influência do Brasil sobre os uruguaios é muito maior do que a relação inversa: todas as notícias que chegam – e que são tema de conversa entre os moradores – vêm do lado brasileiro. “Los niños de acá creían que el presidente de Uruguay era Lula”, diz Yoni. “Existe también una pérdida muy grande de la indentidad regional – y no sé si es bueno o malo”, completa.
Os terrenos na vila Albornoz são, até hoje, dizem os moradores, cedidos gratuitamente pelo governo a quem quiser ocupá-los. Entretanto, a demarcação de território pretendida em 1985 pelos militares não teve sucesso: atualmente, moram mais uruguaios do que brasileiros em Albornoz
http://www.revistaovies.com/reportagens/...-no-mucho/
Limite contestado, pero no mucho
Masoller, no Uruguai, e a vila Thomaz Albornoz, no Brasil, são dois povoados fronteiriços encravados em uma região de 22 mil hectares reivindicada pelos uruguaios desde 1934. O Viés foi lá para ouvir o que dizem os moradores.
Foto: Gregório Mascarenhas
1985. O general João Baptista Figueiredo, último presidente do período ditatorial militar do Brasil, instala repentinamente uma vila em uma zona a sudoeste da cidade de Sant’ana do Livramento, em terras doadas pelo estancieiro Thomaz Albornoz. Rapidamente, Julio María Sanguinetti – primeiro presidente da nova democracia uruguaia – contesta a ocupação e relembra um litígio datado de 1934. Desde então, essa região de 22 mil hectares reivindicada pelo Uruguai têm, em sua área mais austral, um povoado brasileiro.
O Rincão de Artigas, nome dado à região contestada, pertenceu ao Uruguai até 1851. À época, a fronteira com os brasileiros era delimitada pelo rio Ibicuí, na atual cidade de Rosário do Sul. Naquele ano foi feita uma nova demarcação entre uruguaios e brasileiros, que teve o rio Quaraí como referência. Foi só em 1934 que, durante a restauração dos marcos fronteiriços, os orientais reclamaram que os brasileiros haviam confundido o arroio Moirões, mais ao norte, com o arroio Maneco, ao sul. O governo brasileiro fez pouco caso da reclamação, mas, desde aquela data, existe uma pendência sobre a área.
Em 1984, a extensão litigiosa foi reclamada novamente pelo governo uruguaio. Em consequência, Figueiredo criou a vila Albornoz – uma espécie de demarcação de território. Até então, só existiam fazendas do lado brasileiro. “Da noite para o dia, vieram helicópteros militares e construíram uma caixa d’água, um centro comunitário e uma escola”, dizem os moradores mais antigos do sul da fronteira.
Masoller, ao contrário, desenvolvia-se progressivamente, às margens da Ruta 30. De súbito, além da vila, um típico comércio de fronteira se instalou por lá. Albornoz e Masoller chegaram a ter quatro postos de gasolina, algo desproporcional ao tamanho dos povoados. Na parte mais ao sul de Albornoz, atrás de um dos marcos divisórios e exatamente às margens da Ruta 30, existiu um posto brasileiro de bandeira Ipiranga, hoje abandonado. Empresas uruguaias daquela região se deslocavam até a fronteira para abastecer. Na época, por causa da desvalorização da moeda brasileira, o combustível custava a metade do preço que seria pago no Uruguai.
A última menção diplomática ao assunto foi em 1988. À época, o Uruguai enviou outra nota ao Brasil, com o mesmo argumento da confusão com o nome dos arroios. O Itamaraty respondeu que a posição do Governo é oficial e permanente. Nos anos seguintes, o tema voltou à tona no Uruguai como pauta de alguns políticos. Em maio de 2009, por exemplo, o senador do Partido Nacional Sergio Abreu cobrou do governo oriental uma posição mais ativa para defender seus limites com o Brasil. Existe, ainda hoje, uma lei uruguaia que diz que, nos mapas do país, aquela região deve aparecer como um “límite contestado”. Nos mapas brasileiros, ao contrário, o local aparece como território nacional efetivo.
Nos mapas uruguaios, o Rincón de Artigas aparece como “límite contestado”. Aqui no Brasil, entretanto, a região aparece como território nacional efetivo. O Google Maps (ilustração acima) não quis tomar parte na rusga e indicou a linha fronteiriça com um pontilhado.
Não é fácil chegar na vila Thomaz Albornoz pela “estrada da linha”
A estrada que corta Masoller, no lado uruguaio, é a Ruta 30, uma das principais do noroeste do país. É asfaltada e tem um fluxo de automóveis grande para os parâmetros do despovoado interior uruguaio. Por ela, chega-se a Sant’ana do Livramento em cerca de uma hora. Entretanto, as autoridades brasileiras, por conta da burocracia que recai sobre os veículos oficiais, não podem utilizá-la. Os fronteiriços que desejam por ali seguir devem pagar um seguro anual de aproximadamente duzentos reais, dependendo do veículo. Em prática, isso força os moradores da região a usarem a estrada de terra. Conforme depoimento dos locais, a maior parte da população não tem dinheiro para pagar a taxa.
Pelo lado brasileiro, oitenta quilômetros separam Sant’ana do Livramento da vila Thomaz Albornoz. O caminho começa nas cercanias da cidade, na BR-293. Passados dez quilômetros de asfalto surge, à esquerda, o corredor de chão batido que leva a Albornoz. Nos campos, aparecem os primeiros marcos de pedra que dividem o Brasil do Uruguai. A estrada segue a sudoeste, serpeando pela borda superior de um planalto chamado de Coxilha de Sant’ana. À esquerda o relevo baixa, às vezes suave, às vezes abrupto, coberto por arbustos e algumas árvores. À direita, as planuras da campanha.
A estrada da linha é paralela à fronteira e atravessa-a várias vezes. O viajante pode nem perceber. Foto: Gregório Mascarenhas
A trilha, conhecida pelos locais como “estrada da linha”, cruza a fronteira infinitas vezes. Ora se está no Uruguai, ora no Brasil. Os marcos divisórios estão sempre à vista do viajante. O panorama é de pampa em estado puro, pontuado por estâncias e ranchos, todos muito distantes uns dos outros. A estrada está em péssimas condições, existem buracos do tamanho de carros e pedras do tamanho de bolas de futebol – e volta e meia some, tomada pela vegetação. É um sinal: pouquíssima gente passa por ali. Essa é uma região de baixíssima densidade populacional, tanto do lado brasileiro quanto do lado uruguaio. Os homens que lá vivem são os peões, gaúchos – ou gauchos – que atravessam o gado de um lado para o outro.
Ao longe, surgem rumores de uma tropa. Enforquilhados sobre os cavalos, tocando o gado, dois homens se aproximam. “Albornoz? Tá pertito, siga pelo lado direito”. O idioma não permite distinguir-lhes a nacionalidade. “Sou brasileiro, mas moro no Uruguai. Tem um marco na porta da minha casa”, diz um deles rindo-se detrás de um vasto bigode. Vencidos os oitenta quilômetros, a vila de Thomaz Albornoz vai se acercando. Ao longe, depois de uma taipa de pedra, as casas baixas e as torres de telefone do lado uruguaio.
Uma cena comum na fronteira brasileira com o Uruguai. Foto: Gregório Mascarenhas
A vida em na pequena conurbação fronteiriça
Sábado, meio-dia – horário de almoço e de siesta. O único estabelecimento aberto da região fica do lado brasileiro, uma mercearia. “Aqui tem Liquigás”, diz uma pintura desgastada na parede do comércio. Antes que um chamado aos compradores, é um símbolo: estamos do lado brasileiro. A atendente parece desconfiada, mas volta com a água para o mate que fora pedida. Dona Marta é a dona do Varejão Macanudo, identifica-se como brasileira e fala um fluente portunhol. Se, ao primeiro contato, mostra-se reticente, converte-se depois em uma afinada guia das peculiaridades do local.
Gabriel, primogênito da comerciante, frequenta a escola uruguaia de Masoller. Torce pelo Grêmio e pelo Nacional de Montevidéu, ao contrário de seus amigos uruguaios, que, em sua maioria preferem o Botafogo ou “aquele time vermelho e preto”, referindo-se ao Flamengo. Ao lado do Macanudo, conversa desencilhando um cavalo, com sotaque castelhano mais pronunciado do que o da mãe. O menino cruza a fronteira todos os dias para estudar porque, em situação contrária à do outro lado, o poder público brasileiro quase inexiste.
Segundo Dona Marta, a vila Albornoz tem 126 moradores, aparatados por uma escola e alguns poucos professores vindos de Livramento. Os encarregados da educação só chegam por lá quando se atrevem a cruzar a estrada de terra que acompanha a fronteira. Demoram mais de quatro horas para andar oitenta quilômetros. Por isso, quando vão a Albornoz ficam por cerca de dez dias e então voltam para a cidade. Bombeiros, médicos e policiais também têm de realizar o mesmo trajeto, o que deixa os brasileiros da região ilhados em terra firme. Os servidores do posto de saúde uruguaio nem perguntam a nacionalidade do enfermo que busca assistência.
No Varejão Macanudo tem de tudo. Foto: Gregório Mascarenhas.
Pelo menos uma vez por ano, a vila brasileira recebe visitantes. São os militares, que chegam de helicóptero. Trazem médicos, dentistas, veterinários e registro civil. Brasileiros e uruguaios aproveitam os serviços. A presença do Exército, além do caráter cívico, também é um sinal: aquele local torna-se território brasileiro efetivo, mas só temporariamente.
Poucas pessoas passeavam naquela tarde pelas ruas de chão batido de Albornoz e Masoller. Algumas mulheres e crianças saem às ruas, aproveitando o sol que ameniza os ventos frios da planura. Os homens são minoria na vila, pois são peões nas fazendas durante o dia. Algumas casas simples, um ponto de moto-táxi, um supermercado e uma agropecuária formam a paisagem do lado norte da fronteira. A velha caixa d’água de metal que transborda constantemente é o ponto máximo de Albornoz. Em frente, uma pracinha e uma cisterna. Ao atravessar a avenida, na frente do Varejão, há um marco divisório. Cruza-se a fronteira ao sul.
A caixa d’água é o ponto máximo de Thomaz Albornoz. Foto: Gregório Mascarenhas
A vila de Masoller está encravada entre três departamentos uruguaios: Salto, Artigas e Rivera. Ao contrário do lado brasileiro, o poder público é presente. O povoado conta com uma escola, um liceo (que é semelhante ao Ensino Médio brasileiro), um juizado, um posto policial e uma policlínica. As casas são quase todas iguais, com pé-direito baixo, telhado de amianto e paredes pintadas de branco. No centro do povoado existe uma praça, um campo de futebol e um mausoléu.
Um sábado pacato em uma localidade rural da fronteira com o Uruguai. Foto: Gregório Mascarenhas
Assobiando, um funcionário da prefeitura de Rivera começa a recolher os sacos de lixo colocados junto à porta de uma das casas de Masoller. Seu nome é Julio Fontes. Sobe em seu caminhão, anda mais dez metros, e para na próxima casa. Para ele, a discórdia entre os países não muda a vida cotidiana das pessoas. Diz que é iniciado na Igreja Mundial do Poder de Deus – um dos mais recentes fenômenos midiáticos de religião no Brasil – e que foi até Porto Alegre para assistir a um culto ministrado pelo apóstolo Valdemiro Santiago. Segundo Julio, o missionário foi o único sobrevivente de um naufrágio no Oceano Índico. Busca o jornal da igreja – que é escrito em português – no porta-luvas do caminhão, mas interrompe a leitura para conversar com o amigo Souza, que é um uruguaio descendente de brasileiros e um dos poucos homens que passam a tarde de sábado na vila. Os dois mostram-se extremamente receptivos e, para eles, a pessoa certa para falar sobre o litígio fronteiriço é o enfermeiro de Masoller. “La casa del enfermero está en el otro lado de la calle. Hay un galpón de madera al lado y una moto Yumbo negra en el garaje”, diz Souza.
Yoni Ferreira é enfermeiro da policlínica de Masoller. Apaixonado por rádio, é voluntário na emissora comunitária da vila, a Del Valle FM – que é mantida pela UNESCO e pelo governo oriental. Apresenta alguns programas em uma pequena sala que serve como estúdio e que tem, em uma das paredes de madeira, uma bandeira do Uruguai. Entre microfones e aparelhos de som, ele explica que a rádio é o único meio de comunicação local.
Não há sinal radiofônico vindo de outras regiões do Uruguai ou do Brasil e nem sequer televisão aberta. Só é possível sintonizar TV através de antenas parabólicas, que são raras tanto em Masoller quanto em Albornoz, e a única programação que chega ao lugar vem de São Paulo ou do Rio de Janeiro – Globo, SBT ou RedeTV!, por exemplo. A influência do Brasil sobre os uruguaios é muito maior do que a relação inversa: todas as notícias que chegam – e que são tema de conversa entre os moradores – vêm do lado brasileiro. “Los niños de acá creían que el presidente de Uruguay era Lula”, diz Yoni. “Existe también una pérdida muy grande de la indentidad regional – y no sé si es bueno o malo”, completa.
Os terrenos na vila Albornoz são, até hoje, dizem os moradores, cedidos gratuitamente pelo governo a quem quiser ocupá-los. Entretanto, a demarcação de território pretendida em 1985 pelos militares não teve sucesso: atualmente, moram mais uruguaios do que brasileiros em Albornoz
http://www.revistaovies.com/reportagens/...-no-mucho/
"Mas vale ser aguila un minuto que sapo la vida entera".